Josael Bruno
A grande descoberta da sobrevivência da consciência após a morte do corpo físico nos leva ao entendimento de que a vida prossegue. Viver a experiência da vida na dimensão da carne, na fase lagarta do existir contínuo, parece ser uma necessidade evolutiva da qual não há escapatória, no rol das necessidades, das imposições, do determinismo divino.
A compreensão e apreensão das leis divinas nos têm proporcionado progressiva ampliação da consciência. Tomar consciência de que se é espírito imortal é base para o entendimento e percepção dessas implicações.
O retorno à experiência da carne implica na construção de um veículo de manifestação, expansão da partícula espiritual de que somos compostos, de que somos constituídos, daquilo que nos caracteriza.
Reencarnar – emergir num corpo biológico, zerar memórias, reaprender tudo outra vez, manifestar tendências e predisposições, viver as relações familiares, refazer e reforçar conexões…
Mergulhar e olhar o novo e o antigo cenário com outro olhar; reelaborar, rever, repensar… Encontrar e reencontrar velhos e novos amigos… Chegar na estação para depois partir. Podemos pensar em recomeço, mas podemos pensar em prosseguir como etapas de um contínuo, de um processo que não se interrompe, de ciclos que se sucedem, de patamares que são alcançados.
Caberia falar quanto a reencarnação, enquanto princípio doutrinário, é conhecimento importante a ser apreendido, absorvido pelo buscador em sua jornada no entendimento do espiritual.
Caberia falar de causalidade, axioma de responsabilidade, especulando, numa visão estreita digna de atualização, de que somos atraídos a cenários de culpa e de castigo, de erro e de redenção, de cura pela compensação, de dicotomia de bem x mal, de olho por olho… caberia também inserir a misericórdia nessa noção estreita da justiça, que mais parece vingança, revolucionando as probabilidades de “pagar dívidas”, permitindo revisitar conceitos com abordagem mais amorosa, acolhedora, maternal.
Ao trazer “eu também não a condeno, não tornes a pecar”, o mestre nos convida a colocar a justiça no lugar do aprendizado e a punição como modo pouco adequado de promoção da aprendizagem evolutiva, ou menos eficiente em face do reforço positivo do amor, da não violência, do acolhimento, da superação da ignorância de que todos somos portadores em variados graus. Indulgência aliada ao “calçar os sapatos do outro e andar ao seu lado”, busca do entendimento de suas razões e limitações, empatia, resiliência, sem perder de vista a ordem e claros limites da tolerância, na diversidade e alteridade.
Dignidade, amor-próprio, integridade – valores que apelam para identidade são chamados ao debate.
Na esteira do processo educativo que as vidas sucessivas nos propiciam, vamos acordar para as sementes dos valores humanos e espirituais que todos trazemos em germens, no íntimo de nosso ser, como apelos arquetípicos do bem, do belo, da arte e da estética universais.
Creio que somos convidados à permanente atualização de conceitos e de percepções. Bem recentemente damos conta de que conceitos até então não questionáveis ou sequer discutíveis estão em revisão em busca de significados mais adequados, mais atuais à luz de novos conhecimentos.
Talvez o convite mais importante seja a não fechar questão quando a cristalizar conceitos e definições, nos permitindo considerar o saber, o conhecimento como algo em construção, temporário e incompleto por sua natureza humana, imperfeita, inacabada, cabendo uma certa dose de incerteza e ignorância – que poderíamos muito bem chamar de mistério.
Penso que o pano de fundo para isso é o quanto estamos amadurecidos para lidar com conceitos complexos – reencarnação, processo educativo, processo atualizador, processo evolutivo, restaurador de novos significados, ampliador de percepções, possibilitando treinar e adquirir novas habilidades, favorecendo o abandono ou ressignificação de atitudes, valores, crenças que não são adequadas, que estão por trás de vivências e de escolhas cujos resultados se mostram limitadores, dolorosos, inadequados, desperdiçadores de tempo, de recursos, geradores de culpa. O retorno a novas vivências propicia o recomeço, um novo córtex cerebral, um novo acoplamento a mais um aparelho físico, a um Eu do corpo, uma carga genética, um psiquismo a construir, uma consciência, um novo cenário, um novo conjunto de pressões sociais, uma família, uma cultura, um (ou mais de um) idioma, novas circunstâncias e com elas novos desafios. Desse ponto de vista, reencarnação assume importância e complexidade cada vez mais crescente.
Precisamos todos reencarnar e isso não é castigo, nem mal, nem algo ruim, nem algo bom. É necessário. É parte da jornada. É obrigatório. É regra do jogo. Nesse momento – é passar “por dentro de um útero”, dele saindo com um corpo novo em folha! É ser acolhido por uma pessoa. É ser recebido e cuidado – sem cuidados iniciais, nossa espécie não sobrevive, numa dependência que perdura por anos. É fazer parte de um grupo. É construir socialmente uma identidade, um nome, um endereço, um número, uma nacionalidade, é pertencer. Enquanto espírito imortal, é viver sua fase carnal da vida espiritual.