Fernando Santos

A desinformação e as narrativas envolventes podem levar as pessoas a seguirem cegamente ideias, causas ou figuras que se apresentem de forma persuasivas. Através de múltiplas reencarnações, o ser humano passou a lidar com o que era desconhecido e poderia atuar sobre ele como algo sobrenatural, sacralizando o contato espiritual, quando, em realidade, o título de sobrenatural é a designação a lhe revelar a própria ignorância sobre determinado assunto. Assim, a desinformação na busca do espiritual, a partir da “cultura de corredor”, a reproduzir o que compreendeu a partir do que os outros falam, mantém o indivíduo na plena ignorância, sem interesse em buscar pesquisar e aprofundar o conhecimento referente às informações que lhe chegam. A exemplo disso, vemos pessoas que tomam a sua compreensão sobre as opiniões de facilitadores e oradores como se fossem a verdade absoluta. Assim, temos uma grande leva de simpatizantes, “estudantes” e trabalhadores de casas espíritas a repetir o que acham que ouviram ou, convictamente, dizem ter ouvido, sem buscarem se apropriar do conteúdo através da busca do esclarecimento sobre o assunto que, sem bases sólidas, por vezes, com apenas estas informações que ouviram se põe a opinar.
Pela ignorância, o ser humano colocou o contato com os espíritos no âmbito do sobrenatural, divinizando espíritos como agentes do bem e ou do mal, estabelecendo, a partir daí, uma relação de medo, temor, subserviência, ou adoração, e, desta forma, toma o que é trazido na forma de mensagens de espíritos desencarnados como verdades absolutas. Contudo, Allan Kardec, na questão 238 de O Livro dos Espíritos, deixa claro que as percepções e conhecimentos dos espíritos não são ilimitados, e reforça, na questão 242: “Os Espíritos, porém não conhecem tudo, a começar pela sua própria criação.”. É bom lembrar que Allan Kardec elaborou O Livro dos Espíritos baseando-se na universalidade do conteúdo das mensagens trazidas pelos espíritos, de forma a deixar claro que aquela obra não era fruto do pensar de uma única pessoa, e, por isso, fadada a erros significativos. Ele analisava cuidadosamente as múltiplas mensagens recebidas dos espíritos desencarnados para acolher aquelas assertivas consonantes entre múltiplos espíritos, e, assim, validava uma a uma. Mas, numa atmosfera que é a contramão do sentido no qual a doutrina espírita foi codificada, vemos o culto a desencarnados posicioná-los como oráculos da verdade.
Espíritos são pessoas, e pessoas constroem afirmações, conceitos, baseados nos horizontes que seus “olhos alcançam”. Isso nos faz nos lembrar de F. Nietsche: “Os maiores inimigos da verdade não são as mentiras, mas sim as convicções.”. Um bom exemplo são as revelações feitas a partir dos dados trazidos pelo telescópio James Web, que levam os físicos a reverem seus conceitos quanto às teorias sobre o macrocosmo, quando, através do avanço tecnológico, puderam ver mais longe. Portanto, passemos a lidar com as informações dos espíritos desencarnados como opiniões de pessoas, e, assim, as coloquemos sob o crivo da razão, independentemente dos nomes pelos quais o espírito se denomine, pois, lembremos, espírito desencarnado não tem CPF, o que significa dizer que a sua identificação não é precisa, e, mesmo sendo, estará sempre passível de erros e de equívocos. 

O estudo da Psicologia e do Espiritismo nos leva à compreensão de que o médium não é apenas um condutor neutro da mensagem trazida pelo espírito desencarnado. O evento da comunicação mediúnica perpassa pelo psiquismo do médium, por suas conexões inconsciente/consciência, podendo mesclar conteúdos do médium (conteúdos anímicos) na mensagem trazida pelo espírito, descaracterizando-a, ou não, à exceção dos médiuns positivos – que são muito raros –, que trazem mensagens precisas do espírito desencarnado.

Estamos todos, encarnados e desencarnados, na senda evolutiva, aprendendo continuamente através das experiências vivenciadas. Logo, o hábito de polarizar os espíritos à condição de mentores e obsessores, ou outra gradação qualquer, na prática mediúnica, em um escopo de generalizações para facilitar o entendimento, pode, em verdade, levar à distorção da realidade, a favorecer divinizações e demonizações no contato com os espíritos. A relação entre encarnado e desencarnado deve ser elaborada como uma relação pessoa pessoa, devendo ser constituída sem pré-julgamentos, discriminações e exaltações.

Espíritos são pessoas: o que significa isso? Bem, ser pessoa implica ter uma identidade única e uma individualidade distinta, sendo única em termos de sua personalidade, experiência subjetiva única do mundo, o que inclui percepções, emoções, pensamentos e sentimentos individuais, que contribuem para a compreensão pessoal da realidade. Portanto, a realidade vivenciada por cada espírito é única, singular. A categorização estrita dos espíritos em mentores e obsessores enviesa o comportamento, no sentido de inferiorizar e execrar, ou admirar e exaltar esse ou aquele espírito, em vez de propiciar uma relação de alteridade pelo respeito mútuo, pela valorização da pessoa humana e pela empatia, sendo, então, um obstáculo a ser vencido na naturalização do contato mediúnico.

Assim sendo, a naturalização do evento mediúnico perpassa por nos relacionarmos com os espíritos de uma forma madura, numa atividade colaborativa entre encarnado e desencarnado, numa relação pessoa pessoa, desconfigurando o desencarnado da condição de ser detentor de um poder especial, eliminando qualquer relação subserviente e transformando o evento mediúnico em uma experiência de aprendizado mútuo, na qual são compartilhados valores e crenças, sem nos inclinar à condição de um cego seguidor.