Autor: Robyson Uzêda
Em 399 a. C, um professor e filósofo condenado à morte reúne-se com seus pares e discípulos momentos antes de sua morte e lhes fala sobre a certeza da imortalidade da alma. Contestado e confrontado com opiniões e teses opostas, pode discorrer sobre o seu pensamento, oferecendo diversos argumentos que comprovavam a sua convicção teórica. Estamos falando de Sócrates, que no dia em que tomaria a cicuta discorre para os seus amigos sobre a condição de ser Espírito e mais, da sua imortalidade. Tal diálogo encontra-se no livro “Fédon – a imortalidade da alma”. Com este fato ilustro a condição imemorial da percepção da humanidade de que a alma existe e que é imortal.
Exemplos não faltam e a literatura é farta nos apresentando dados da antiguidade que reforçam esta tese. Os gregos, os egípcios, os hindus, os orientais, os primitivos africanos, todos trazem experiências do trato com os mortos, evidentemente que cada um ao seu modo, mas no fundo havia a certeza de que o Espírito continuaria a sua jornada.
Mas se é assim, porque há dificuldade da percepção de que se é Espírito imortal?
Devemos entender que temos uma estrutura psíquica composta por unidades “virtuais” que se desenvolvem ao longo da vida, o inconsciente e o consciente. O primeiro representado por um conjunto de experiências vivenciadas desde que a humanidade existe e, portanto, comum a todos, chamado de inconsciente coletivo, e de outra parte por fatos que vivenciamos e nos afeta, mas que são “esquecidos” ou que não desejamos que fique na consciência e é denominado de inconsciente pessoal. Já o consciente tem a sua representação no ego, formado a partir das nossas vivências atuais, das relações parentais e interpessoais. O ego se estrutura e organiza como o centro da consciência e, portanto, na percepção de comandar a vida. Embora, tenhamos gravadas na memória, no inconsciente coletivo, todas as habilidades adquiridas por nossas vivências, a consciência não nos permite este acesso tão facilmente.
A estrutura psíquica, ou mente, também chamada de psique, é um órgão do perispírito à disposição do Espírito para a sua manifestação. Destarte, deveríamos ter a certeza da imortalidade do Espírito. Todavia, como dito acima, existe um ego que se estrutura baseado nas relações interpessoais, de início com os pais, a família e posteriormente com a sociedade, a cultura local. Por conseguinte, esse personagem que vai se formando está sob influências diversas, que vão construindo crenças, reafirmando conceitos, dogmas e religiões. Tais condições interferem e impedem de trazermos à consciência as nossas experiências de outras encarnações. Não obstante, elas estão se manifestando a todo instante nas nossas habilidades, nos conhecimentos, nas intuições, na forma de atuar, porém por força da “supremacia” desejada do ego-personagem, não percebemos. O Espírito que você é não se manifesta em plenitude, na totalidade do eu, o ego o impede devido a consciência.
Voltemos à Grécia antiga, especificamente em Delfos, alguém cunhou na entrada do oráculo ali existente a seguinte frase: “Conhece-te a ti mesmo”. Eis a dica para que possamos começar a integrar a certeza de que somos Espíritos imortais. Ora, se temos a convicção de que somos espíritos e de que há reencarnação, não podemos ter dúvidas que as nossas vivências deixaram suas marcas e que elas estão na psique e por óbvio no perispírito. Isto posto, iniciaremos então a pontuar algumas dicas para facilitar a percepção de sermos Espíritos imortais:
1 – Mister se faz que saiamos da crença de que há Espíritos e passemos à conscientização de que somos espíritos. Não podemos permanecer na puerilidade ou ingenuidade de conceitos que interpõem um abismo entre o indivíduo encarnado e o desencarnado; como diz reiteradamente Adenáuer Novaes: “Espíritos são pessoas”, donde se conclui que todos somos espíritos, ora encarnados, ora desencarnados.
2 – Aceitar a morte como processo natural de finitude de um personagem atrelado a um corpo físico. Não há uma situação de oposição entre vida material e vida espiritual, mas de continuidade. Um novo personagem se forma, dando possibilidade ao Espírito de prosseguir sua jornada evolutiva.
3 – Reconfigurar a maneira de relacionar-se com Deus. As crenças que nos são impostas ao longo da vida, pela tradição religiosa a que nos vinculamos, nos proporcionam uma ideia enraizada de Deus como nosso protetor, nosso juiz ou Aquele que está a todo instante nos apontando o dedo, castigando-nos pelos erros ou nos presenteando quando acertamos. Mudar esta forma de relacionamento com Deus, para além da crença de Sua existência, numa percepção contínua da Sua atuação em todas as áreas da vida, permitindo que exerçamos de fato o nosso livre-arbítrio, na certeza de que somos construtores de nosso destino e não apenas seguidores de roteiros predeterminados, proporcionará a possibilidade de nos percebermos seres integrados ao universo.
4 – Atentar para a sua intuição. Escute a “voz interior”, ela representa os anseios que estão nos recônditos do inconsciente, no aprendizado das vivências pretéritas, ou seja, é o Espírito que está a nos orientar.
5 – Observar cuidadosamente as experiências reincidentes. Normalmente elas ocorrem porque não fomos capazes de aprender com a primeira ocorrência, podendo ser nesta encarnação ou noutras. A vida nos proporciona oportunidades para que corrijamos os rumos do nosso destino. Destarte, fiquemos alertas para essas ocorrências, elas nos permitirão abrir os olhos da conscientização da imortalidade do Espírito.
6 – Não desprezar aquilo que vulgarmente chamamos de coincidências, mas que seriam fatos que ocorrem sem que haja uma relação de causa e efeito, sem explicação admissível. É um fenômeno de atuação do inconsciente. São denominados de fenômenos de sincronicidade, são diálogos de Deus com o Espírito, conosco. Ao atentarmos para tais eventos, nos daremos conta de que há um fator que transcende ao material. É quando nos voltamos para a nossa essência que esse diálogo ocorre, e essa essência é o Espírito.
7 – Experiências mediúnicas nos permitirão o contato com Espíritos que já estão na dimensão espiritual, assim, preste atenção aos fatos mediúnicos pois eles nos darão a possibilidade de entender que a imortalidade é fato.
8 – Procurar enxergar o que dizem os seus sonhos, eles trazem informações preciosas, uma vez que são oriundas do inconsciente e portanto do eu, cujo objetivo é torná-las conscientes. Os sonhos nos levam a uma instância além da consciência que mostram de maneira simbólica, vivências do Espírito.
9 – Vivenciar sua religiosidade no dia-a-dia, nas relações com o outro, com o meio ambiente, com a certeza de que é parte deste universo. Viva a sua religião como forma de conexão com o sagrado, com o divino, sem contudo se fixar ao dogmatismo imposto. Com isto a certeza da imortalidade será mais facilmente percebida conquanto estaremos mais livres para os recados do inconsciente, do eu e por conseguinte do Espírito.
10 – Perceber-se Espírito imortal é um processo que perpassa por desconstruções de conceitos, de ideias, de fundamentações em crenças religiosas e culturais. Devemos ter maior atenção aos insights, recados do inconsciente, aos sinais que a vida nos traz. Devemos ser protagonistas da nossa história sem delegar a outrem essa função. Atuar como co-criadores do universo dando asas ao Espírito para alçar voos evolutivos, libertando-nos das amarras do ego.
Como disse Sócrates no livro citado acima:
“Por outro lado, ensina-nos a experiência que, se quisermos alcançar o conhecimento puro de alguma coisa, teremos de separar-nos do corpo e considerar apenas com a alma como as coisas são em si mesmas“.
Portanto, para conhecer-se é fundamental transcender para além da consciência, “do corpo”, deixar fluir um diálogo com a “alma”, a sua essência, o Espírito que somos.