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Opinião

Medo da Morte ou Medo da Vida?

Agne Fidelis

Sempre me questionei o porquê de nós, Espíritos, termos medo da morte e as explicações eram sempre as mesmas, dadas pelas culturas e religiões: o medo da morte se origina do medo do desconhecido e da aniquilação do Eu. Mas, insatisfeita, a pergunta sempre retornava e eu percebia que, independentemente da crença, da sociedade, do tempo, da evolução, nós ainda tememos a morte e seus correlatos (o anoitecer e a escuridão). Carl Gustav Jung, em suas obras, refere-se à morte como meta, vida-morte correspondendo ao mesmo ciclo, como duas faces de uma totalidade. Para ele, só permanece vivo quem está disposto a morrer, abraçando a morte, tal como abraça a vida. Desta forma, o medo não seria da morte e sim da vida, já que fugir da morte é fugir da vida, o que faz muito sentido para mim, pois fica claro que nós, Espíritos, não tememos a morte, mas a vida, tememos nela nos enredar e fazer escolhas, assumindo responsabilidades.
Por que tememos a vida? Por que não viver a vida de forma intensa e comprometida? Viver de acordo com quem se é, com o que se deseja e acredita? Se a vida é uma construção própria, ela não é determinada por um universo, por Deus ou pelo destino; se escolhemos como fazer nossa jornada, ou mesmo se a queremos fazer, talvez aí esteja o grande medo da vida, o medo de assumir quem se é para si e para todos, como construtor dessa jornada, na qual, cada elemento que nela existe, seja ele divertido, adverso, caótico, anárquico, hierárquico, rígido, traumático, dramático, alegre, triste, prazeroso ou doloroso, foi por nós e para nós criado, e a mudança da realidade que vivemos depende da mudança de quem somos e da lente que usamos para viver.
É a inabilidade em vivermos nossa vida que nos faz temer a morte. Se observarmos com atenção, podemos ver que vivenciamos processos de vida-morte, fechando ciclos em nossas vidas, seja em nossa dimensão ou na vida intrapsíquica. Somos inábeis em estar plenos com tudo que somos, vivendo, assim, vidas inautênticas e gerando predisposições. As doenças, por exemplo, representam incapacidade, enviesam nosso olhar diante da vida, são predisposições criadas pelo Espírito quando este vive de forma unilateral e monotemática, sem usufruir da pluralidade e da diversidade de sua vida como Espírito. A doença é um sintoma que nós criamos quando esquecemos de quem somos e de que a nossa vida é uma construção nossa, de contínua experiência da impermanência, transmutação e diversidade de podermos ser tudo que queremos.
A vida é mutabilidade. Assumir a vida e quem se é, dando o “salto da fé”, é saltar para o desconhecido e ter a certeza de que contamos com nós mesmos para este salto de coragem, de mãos dadas com a vida. É viver o presente com intensidade e com a certeza de que nós, Espíritos, somos potencialidades, integrando nossas porções opostas, não fugindo da relação vida e morte. A morte fecha ciclos necessários e, na impermanência da vida, vamos nos transmutando continuamente. Não há o que controlar, mas, sim, viver na consciência de quem somos, sem temer ou negar a vida. O medo que sentimos do desconhecido, do escuro, da noite, da morte e do inconsciente não deveria ser mais aterrorizante que o medo de não sermos nós mesmos, de não vivermos plenamente, porque este desconhecido, em nós, representa quem somos e, por vezes, diz mais sobre nós do que aquilo que afirmamos ser. Integrar todas estas partes, que compõem o mosaico que somos, permite vivenciarmos a vida com escolhas que estejam em consonância com nosso desejo de ser.
Assim, viver como Espírito é ser colocado na forja da transformação em processo alquímico, é usar do Nigredo como confronto com nossos medos, nossas escuridões e angústias; é o momento de entender o porquê do medo da vida-morte, enfrentando nossos opostos que nos complementam. Já no Albedo, percebemos que nem só de escuridão existimos, que possuímos muita luz, e que estas habilidades precisam ser evidenciadas, entendidas, aceitas, para, enfim, serem utilizadas na vida. Na Citrinitas, que é quando buscamos equilíbrio psíquico e as transformações diárias do Espírito, percebemos que não deixaremos de sermos nós, precisando apenas aprender a utilizar o que somos em prol de nós mesmos e da sociedade. Por fim, o Rubedo, que é a integração do que somos, tornando-nos mais conscientes de nossas escolhas, atitudes e predisposições, assumindo, assim, as rédeas da vida e, audaciosamente, realizando a nossa nova versão, porque viver é correr riscos, é dar o “salto da fé”, é se entregar à incrível jornada do processo de individuação, quando tornar-se quem se é, autodeterminando-se, é uma meta para nós, Espíritos, vivendo, assim, a continuidade do Eu, sem medo da vida-morte, apenas vivendo, intensa e prazerosamente, a delícia de ser quem se é, com todos os seus sabores e aromas.

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