Lidianne Cerqueira 
Um mito bastante difundido em nossa sociedade é que a ciência seria contra a espiritualidade e a religião, e que os cientistas estariam empenhados em eliminar a experiência de fé das sociedades. No entanto, o campo de estudos em espiritualidade cresceu exponencialmente, tanto no Brasil como no mundo, dos anos 1970 até a atualidade.
Um exemplo desse movimento foi o VI Congresso Internacional de Ciência, Saúde e Espiritualidade – CONUPES 2025, organizado pelo Núcleo de Pesquisas em Espiritualidade e Saúde da Universidade Federal de Juiz de Fora. O evento reuniu cerca de 700 participantes e tratou de temas como saúde, espiritualidade, mediunidade e desenvolvimento humano. As pesquisas apresentadas mostraram que pessoas com maior envolvimento espiritual tendem a ter menores índices de depressão, ansiedade e suicídio.
O congresso contou com palestrantes como Rossandro Klinjey, com a conferência “O Papel da Espiritualidade em Família no Cultivo do Equilíbrio Pessoal”, abordando o suicídio entre jovens. A psicóloga clínica norte-americana Lisa Miller, autora do livro best-seller “The Spiritual Child” apresentou o painel “Espiritualidade no desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes” e abriu sua fala compartilhando uma impactante experiência espiritual ocorrida na véspera, quando se despediu do pai falecido.
Muito além de relatar e mensurar experiências de fé, a ciência busca entender o numinoso para além do dogmatismo religioso. Ronald Fischer, doutor em Psicologia Social pela Universidade de Sussex, por exemplo, ministrou um minicurso intitulado “Investigando as fronteiras entre a loucura e o divino: usando ciência de dados para explorar experiências humanas extremas e paranormais”, no qual detalhou os desafios científicos em compreender as diferentes vivências espirituais, considerando a subjetividade e a complexidade dos contextos culturais.
Nesse sentido, a cultura do indivíduo influencia não apenas a sua visão de mundo, mas também sua identidade, linguagem, costumes, crenças, valores, comportamentos e atitudes. Portanto, ter em conta as sutilezas culturais de cada pessoa é um ponto fundamental nos estudos sobre espiritualidade.
O tsunami no Oceano Índico em 2004, com 227 mil mortes, é um caso ilustrativo. Equipes de ajuda humanitária estrangeiras, com médicos e psicólogos, foram enviadas aos 14 países atingidos, de maioria budista, hinduísta e islâmica. Contudo, levaram consigo sua visão ocidental, ignorando costumes locais como separação por sexo e contrariando crenças em ritos funerários e de luto. A ausência de sensibilidade cultural causou efeitos negativos nos sobreviventes. 
Outro campo de pesquisa em espiritualidade abordado no congresso foi o do “Florescimento Humano”, definido como a obtenção relativa de um estado em que todos os aspectos de vida (nos campos físico, mental, social e espiritual) de uma pessoa são ótimos, incluindo seus contextos de vida.
Esses estudos vão além da aferição da “felicidade”, propondo intervenções cientificamente embasadas que promovem o autoflorescimento e preparam o terreno para o florescimento coletivo. Encontramos ressonância com a proposta de autodeterminação de Adenáuer Novaes, que nos convida à meditação sobre a construção da própria felicidade. Segundo Adenáuer, uma pessoa autodeterminada se realiza tendo prazer em tudo o que faz e sente-se feliz em tudo que vivencia.
O crescente interesse acadêmico nas intersecções entre espiritualidade, ciência e florescimento humano evidencia um amadurecimento do olhar do pesquisador. Longe de negar a fé, o rigor científico busca analisar a complexidade da experiência humana em sua totalidade, incluindo o aspecto espiritual, crenças e práticas religiosas. Ao superar dogmas, a ciência rompe o mito da oposição, e oferece um conhecimento no qual a espiritualidade é um dos pilares para a autodeterminação e o florescimento humano.