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Mente & Espírito

O nascer da consciência humana

Nertan Medeiros 

No princípio da vida humana, psiquicamente, tudo é caos. Na mente, há uma matéria psíquica cuja natureza é indiferenciada e se constitui de completa escuridão. Tudo é inconsciente. Inicialmente, a consciência surge dessa imensidão inconsciente, uma luz que se separa das trevas. A dimensão da consciência individual começa a se formar a partir da experiência sensorial, emocional e reflexiva, diferenciando-se, gradativamente, do inconsciente. Essa consciência precede o surgimento do complexo do ego, o qual existe apenas em potência.

Inicialmente, à medida que se processa o desenvolvimento do ser, o ego vai se diferenciando pouco a pouco, pois  é compelido pelo Self, arquétipo central e organizador da totalidade psíquica. Dessa maneira, ele surge na dimensão da consciência. O ego é o sujeito da ação consciente, sendo o seu centro. Lá pelos três anos, aos poucos, o ego adquire um senso de independência em relação ao Self. No entanto, permanece intimamente relacionado a ele, estabelecendo-se o eixo ego-Self. Assim, por meio das diversas experiências vividas desde a tenra idade, começa a ser constituída a diferenciação do ego. Nesta fase inicial, há uma completa identificação psíquica com os pais, conforme enfatiza Argollo¹: o vínculo emocional entre pais e filhos é um elemento eficaz para o estabelecimento de uma ligação inconsciente mais forte. A grande ligação primordial entre um ser e outro é a que acontece entre mãe e filho”. No começo, a criança vive em um estado de participação mística, como denominou Lévy-Bruhl, fundida à mãe, ao ambiente e às imagens arquetípicas. Essa ligação é de tal maneira visceral que, figuradamente, se pode denominar de participação mística visceral a ligação inconsciente entre eles. A diferenciação começa com a percepção do “eu” em oposição ao “não-eu”.

            Em relação aos campos que compõem e estruturam a psiquê, depois do início da diferenciação e do aparecimento da consciência, Argollo argumenta que “a psiquê possui uma estrutura em que se encontram dois tipos de representações que se diferenciam pelo valor energético próprio: os com alta energeticidade formam o campo da consciência, sendo percebidos e utilizados pelo ego em seus processos, no cotidiano da existência; e os que não têm, ou perderem seu coeficiente energético, desaparecendo do campo da consciência. Assim, a psiquê pode ser dividida em psiquê consciente e psiquê inconsciente”.

            No entanto, a relação entre estas duas dimensões que estruturam a psiquê não é de todo pacífica e estável. Quando Carl Gustav Jung realizou seus estudos que tratam da união dos opostos, ele afirmou que a função psicológica e “transcendente” resulta da união dos conteúdos conscientes e inconscientes. No entremeio desses dois campos, por conta dessa oposição, é gerada uma tensão que causa conflito nesta zona. Segundo Jung[1], a experiência no campo da psicologia analítica nos tem mostrado, abundantemente, que o consciente e o inconsciente raramente estão de acordo no que se refere a seus conteúdos e tendências. Esta falta de paralelismo, como nos ensina a experiência, não é meramente acidental ou sem propósito, mas se deve ao fato de que o inconsciente se comporta de maneira compensatória ou complementar em relação à consciência. Podemos também inverter a formulação e dizer que a consciência se comporta de maneira compensatória com relação ao inconsciente.

            Por fim, o desenvolvimento da personalidade humana, com a ampliação da consciência, está intimamente ligado ao processo de individuação, que Jung considera como a pedra de toque e a principal tarefa da vida psíquica humana. Segundo ele, esse confronto é necessário para o crescimento psicológico e espiritual do indivíduo. A consciência, conforme visto acima, nasce do confronto com o inconsciente, especialmente por meio dos sonhos, símbolos, sintomas e fantasias. Por outro lado, esse confronto é essencial para o processo de individuação, para a realização do Self, no qual o ser humano caminha rumo à totalidade, a tudo aquilo que se é verdadeiramente, ou seja, sua singularidade, integrando aspectos sombrios e luzes internas, animus e anima, persona e sombra. A consciência é estabelecida pela tensão entre opostos, atividade genésica de aspecto simbólico da função transcendente e da busca de sentido. O sofrimento, os conflitos internos e os impasses existenciais funcionam como chamados à transcendência, portas que levam o ser ao reencontro com sua origem divina.

[1] Vide JUNG, Carl G.. A natureza da psique. Petrópolis: Vozes, 2013. v. VIII/2, p. 13.

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