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Entrevista

A Continuidade do Eu

Robyson Uzeda

A entrevistada dessa edição é Sylvia Viana, médica obstetra, palestrante e trabalhadora da Universidade Livre do Espírito – ULE,

O que você entende por continuidade do eu?

Continuidade do Eu significa a imortalidade do Espírito. O Eu corresponde ao centro da consciência, à identidade pessoal do ser humano, à essência do Espírito. A palavra imortalidade parece negar a importância da vida na matéria, no corpo físico, o que não deveria acontecer, visto que é de suma relevância tudo que experenciamos e aprendemos durante uma encarnação. Outro ponto importante é que o Personagem de fato morre, perde sua cidadania, perde suas funções nas diversas dimensões de sua vida, afasta-se dos seus entes queridos e de tudo mais que fazia parte de sua experiência no corpo físico. O sentido, portanto, da palavra imortalidade compreende a Continuidade do Eu depois da morte do Personagem.

Dessacralizar a Dimensão Espiritual, reduzindo, assim, as fronteiras, buscando um diálogo mais maduro, sem hierarquias, contribui para um melhor entendimento sobre a Continuidade do Eu. A visão mais pragmática da Vida diante da morte do Personagem, entendendo-a não como uma tragédia,  mas como o fim de um experimento e consequente passagem do Espírito para a Dimensão Espiritual, traz mais leveza e compreensão de que a pessoa continuará seus aprendizados em busca de sua autodeterminação e autorrealização.

A partir desse entendimento de que o Eu continua,  levando consigo as competências e habilidades adquiridas nas diversas encarnações, você consegue identificar, em você mesma, competências e habilidades já incorporadas, ou seja, como fazendo parte desse Eu?

Sim, consigo!

Tenho habilidades ligadas ao campo materno, não só na dimensão familiar/mãe – na relação com meus filhos, no sentido do gestar, cuidar, nutrir, educar, dialogar com eles, que vieram nesta encarnação através de mim –, mas também a nível profissional, enquanto obstetra, lidando com diversas mulheres e suas gestações e partos, que variam desde os mais tranquilos até os mais complexos, que exigem tomadas de atitudes assertivas, portanto, percebo minhas habilidades também nessa área.

Outra habilidade que percebo e gosto muito é a de ensinar, de estar em constante contato com pessoas, partilhando conhecimentos e, assim, ampliando minha consciência e contribuindo para o crescimento do outro. Ao ensinar, sinto que aprendo mais e sou instigada a buscar sempre novos conhecimentos.

A habilidade de estudar é uma das minhas preferidas:  ter o gosto pela leitura, pelo aprender, e estar aberta a novos conhecimentos também fazem parte do meu Eu.

Vejo em mim a habilidade de acolher com amorosidade, de dialogar, de buscar resolução pacífica para conflitos.

E, por fim, noto a habilidade de liderança, buscando cada vez mais uma liderança saudável. Sei que sou mulher, sou mãe, sou médica, sou facilitadora e coordenadora de mediúnica da ULE, entendo a responsabilidade que cada uma dessas funções traz consigo. Sou exemplo e espelho para muitas pessoas do meu convívio e, então, me sinto, de certa forma, responsável por plantar esperança, por despertar no outro o seu potencial, por fazer florescer nas pessoas o desejo de dar o seu melhor a cada dia.

 Diante de suas respostas, é possível perceber uma correlação entre o Eu e o Personagem que o representa; no entanto, o Eu tem sua autonomia. Em qual(is) momento(s) da vida você se percebe como estando a vivenciar a proposta do Eu?

Sinto-me tão feliz fazendo o que faço…! E essa felicidade não é porque eu alcancei uma independência financeira, nem um certo status, mas sim porque trabalho com algo que me dá disposição diária, alegra meu coração e me dá ânimo para seguir, mesmo nos momentos mais difíceis. Isso faz total diferença na minha vida, pois, lá no fundo, mesmo que eu não consiga traduzir em palavras, me sinto conectada com um propósito maior e com a minha designação pessoal.

Outra forma de me realizar é como professora, seja no programa de residência médica e internato do qual faço parte, seja na ULE, onde sou facilitadora e me sinto sempre tão feliz em participar deste lindo trabalho que tanto me ajuda em meu processo de ampliação da consciência, além de sentir que colaboro para o processo de crescimento e ampliação de consciência de tantos outros indivíduos. Logo, entendo que o trabalho, seja ele remunerado ou não, pode e deve estar em consonância com os propósitos e designação pessoal do Eu Espírito.

Nas minhas dimensões familiar e de relacionamentos interpessoais, busco estar conectada ao meu desejo soberano de expansão da afetividade e de construção de relacionamentos saudáveis. Isso, sem dúvida, torna meus dias mais alegres e mais leves.

Com os conhecimentos que você nos apresenta, entendo que o Eu se mostra, se apresenta, como individualidade que independe do corpo físico. Em sua vida, seja nos momentos profissionais, seja no âmbito familiar ou na instituição espírita, como você percebe essa ocorrência?

Percebo essa ocorrência de forma muito natural, pois sei que sou um Espírito vivendo experiências espirituais na dimensão material. Então, se sou Espírito, nada mais genuíno que me relacione com Espíritos e sinta a minha conexão com a dimensão de origem, a dimensão espiritual.

Na minha profissão, já tive diversos diálogos com desencarnados, percepções de presença e colaboração em atos cirúrgicos. Certa vez, uma paciente abriu a porta do consultório e, ao entrar, vi a seu lado uma menina sorridente com a idade de uns 4 ou 5 anos. Confusa, olhei para o computador, pois sabia que aquela era a primeira gravidez dela.  Fui confirmar no prontuário, e, ao olhar de volta para a paciente, não vi mais a menina, e a paciente falou “Dra. descobri o sexo do bebê… será uma menina!”.

Ao lidar com pacientes, principalmente quando eles estão passando por algum risco de vida, observa-se como eles se encontram mais suscetíveis ao contato com a dimensão espiritual. Minha mãe foi paciente terminal e, nos últimos dias de sua vida, relatou diversas visitas de desencarnados ao seu quarto, uma delas foi a sua mãe e a outra sua ex-sogra, minha avó paterna, que, segundo ela, estava acompanhada de outros indivíduos. Ela cumprimentava e dialogava com eles de forma muito natural, enquanto outras pessoas presentes no quarto consideravam uma mera alucinação.  

Outro relato é de um tio que foi vítima de afogamento e passou por uma experiência de quase morte (EQM). Ele descreveu a paz que sentiu quando apagou; a lembrança dos fatos mais relevantes da sua vida, que passou como um filme; como viu seu corpo ser retirado do mar e, nesse momento, ouviu uma voz que lhe disse que ainda não era a hora dele voltar. Em seguida, ele foi reanimado.

Na instituição espírita, onde trabalho em mediúnicas há quase 20 anos, estes diálogos e parcerias com os desencarnados fazem parte de meu cotidiano. Sinto-me laborando na fronteira, nesse intercâmbio salutar entre as dimensões, que, além de nos trazer conhecimentos novos, nos convida a visitar nossa psique, nossos complexos, medos, culpas, melindres e conflitos internos, ampliando assim nossa visão da Vida.

Você traz a mediunidade como uma das possibilidades de manifestação da autonomia do Eu. Para além dessa possibilidade, quais outras você nos apresenta?

Já tive inúmeros déjà vus, seja em locais que estava visitando pela primeira vez e que me trouxeram uma emoção profunda e sonhos associados àquela localidade, seja ao conhecer pessoas que me pareciam velhos conhecidos, ou seja por ter a total lembrança de alguma cena cotidiana comum e saber antecipadamente perguntas e respostas.

Também já tive sonhos lúcidos, onde tinha total consciência, dentro do sonho, que estava dormindo e que aquela era uma experiência fora do corpo, bem como já experimentei desdobramentos, mas tenho que confessar que me senti muito desconfortável, pois, numa das vezes, demorei um certo tempo sem conseguir voltar e mexer meu corpo. Já tive muitos sonhos com entes queridos desencarnados, cuja vivência, a emoção e os detalhes foram tão reais que os tornaram inesquecíveis.

Já tive lembranças espontâneas de momentos de vidas passadas, seja por sonhos, por técnicas de regressão de memória, por indução meditativa. Interessante perceber como elas se conectam com os meus propósitos, com as minhas habilidades e as minhas inabilidades.

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