Idelfonso Nogueira
As Experiências de Quase Morte (EQM) são eventos extraordinários relatados por pessoas que estiveram à beira da morte. Durante essas experiências, muitos descrevem uma sensação de desligamento do corpo físico e uma jornada rumo a uma dimensão desconhecida. É comum que essas vivências ocorram em situações de extremo risco, como paradas cardíacas, hemorragias internas, acidentes graves ou afogamentos.
O termo EQM foi popularizado pelo psiquiatra Raymond Moody em 1975, com seu livro “A Vida Depois da Vida”. Moody descreveu como as pessoas experimentam sensações e percepções profundas, mesmo quando suas atividades cerebrais estão temporariamente interrompidas. Vale destacar que a EQM não é a mesma coisa que morte cerebral, que é um estado irreversível.
Recentemente, a Universidade Livre do Espírito (ULE) iniciou um projeto ambicioso: criar um banco de dados abrangente sobre EQMs. O objetivo é coletar relatos de pessoas que passaram por essas experiências, para que possamos entender melhor esse fenômeno.
Estamos no começo dessa jornada e gostaríamos de contar com a sua ajuda. Se você já teve uma EQM ou conhece alguém que tenha passado por isso, entre em contato conosco. Sua história pode ser valiosa para nossos estudos e para ajudar outras pessoas a entenderem melhor esse tema fascinante. Vamos compartilhar aqui com vocês o nosso primeiro relato.
Um Relato de Quase Morte: A História de Maria(*)
O ano era 1983. Maria era então uma jovem mãe de 34 anos, com 2 filhos pequenos. Sua filha tinha apenas 2 anos, quando, às 19h do dia 3 de novembro, chegavam em casa de táxi, e Maria começou a sentir uma dor intensa no lado do abdômen. A sensação é que alguém a havia perfurado com uma faca. Desceu do táxi com dificuldade e, repentinamente, tudo escureceu! Maria desmaiara na porta do prédio. O porteiro a socorreu e a levou já consciente até o Hospital Getúlio Vargas, conhecido como Pronto Socorro do Canela, à época um centro de estudos e práticas médicas, localizado ao lado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e do Hospital das Clínicas.
Maria chegou ao hospital por volta das 20h30, consciente, mas em estado de choque, atordoada. Deitada em uma maca, acompanhou o corre-corre da equipe, viu os médicos, alguns estudantes, professores e auxiliares agitados, tentando diagnosticar seu problema. Foi nesse momento que ela se deu conta da gravidade de sua situação. A transcrição do relato de Maria segue assim:
Ouvia as discussões médicas, embora não entendesse o jargão técnico, mas compreendia pelas expressões e desespero dos estudantes e professores que a situação era séria.
Eu sabia que estava no limite, sentia a minha vida por um fio, porém a minha serenidade naquele momento ainda me assusta até hoje. Sem chorar, pedir ajuda ou reclamar, mantive meus olhos abertos como se fosse um pedido para que aquele fio não fosse rompido. Nesse momento, eu apenas pensava nos meus filhos. Ouvia o choro da minha filha de dois anos que testemunhou meu desmaio, e lembrava do meu filho de três anos que não estava presente.
Minhas forças físicas foram se esgotando minuto a minuto. Por fim, desmaiei! Senti, estranhamente, que eu saí do meu corpo por alguns instantes. Voltei em seguida, abri os olhos e segui acompanhando o desespero da equipe sem encontrar uma solução. Novamente apaguei e saí do corpo. Esse ciclo de ir e voltar se repetiu por cerca de 10 minutos: eu sentia minhas forças físicas se esgotarem, as pessoas pareciam diminuir de tamanho aos meus olhos, até que meus olhos se fechavam, eu apagava e, ao mesmo tempo, como um zumbido ou som de foguete antes da explosão, eu partia em um movimento de rotação ao redor de mim mesma, saindo do corpo.
As sensações que experimentei durante esses momentos são indescritíveis, embora eu tenha todos os elementos e imagens presentes. Sinto que foi uma experiência abençoada. Nada foi mais surpreendente do que a sensação de separação de meu corpo e, mesmo assim, mantendo-me íntegra enquanto pessoa.
Embora as experiências de EQM tenham elementos gerais em comum, cada uma é única e pessoal, e a forma como acontecem pode variar bastante. No caso de Maria, em dado momento, ela descreve ter saído do centro cirúrgico e percorrido um túnel iluminado por luzes suaves e opacas, movendo-se rapidamente. A jornada foi serena, sem a presença de seres extraordinários ou luzes fortes. Maria relata que a experiência foi surpreendentemente agradável e sem medo.
O Túnel me levava até uma grande porta talhada, de cor verde-escuro, estilo a porta principal da Igreja de São Francisco no Terreiro de Jesus em Salvador-BA. Essa porta dava entrada para um grande salão onde existiam muitas mesas, cadeiras, estantes com livros. Ali várias pessoas com vestimentas normais pareciam estudar. Algumas sentadas nos bancos, parecendo aguardar algum atendimento.
Nessa porta verde, Maria foi recebida por uma presença que não falou nada, apenas a envolveu em uma forte energia e a lançou de volta ao túnel. Maria não conseguia ver o rosto dessa presença, mas sentia que era seu pai, falecido quatro anos antes dos eventos narrados.
A viagem de volta foi semelhante à ida: serena, Maria se aproximava da maca, via seu corpo, escutava um som mais profundo, como um “tum, tum”, semelhante ao batimento de um coração sendo reanimado e sentia como se entrasse novamente no corpo, abrindo os olhos em seguida.
Então, percebeu que a equipe médica parecia mais calma. Um médico havia finalmente diagnosticado uma gravidez ectópica, onde a trompa havia rompido, causando uma forte hemorragia interna e os demais sintomas que a levaram ao pronto socorro.
A partir daí, sucedeu-se uma cirurgia de emergência. Maria, ainda consciente, sentiu a aplicação da anestesia. Do seu lado, alguém segurava um suporte com uma bolsa de sangue, que ela nunca tinha visto tão vermelho. Curiosamente, ela conseguia ler o prontuário afixado em um suporte atrás dela, onde estavam seus dados e a palavra “CHOQUE”.
Ao acordar da anestesia, Maria estava sem dor, serena, sem confusão mental e sem perguntas sobre a viagem. Apenas queria encontrar seus filhos.
A Jornada Após a EQM: Redescobrindo a Vida
De volta à vida, Maria se concentrou inicialmente no sentimento materno. Sua rotina seguiu sem grandes mudanças na saúde física ou psíquica. Com o tempo, porém, ela começou a perceber transformações internas.
Decepcionada por não encontrar respostas satisfatórias na ciência ou na religião, Maria embarcou em uma busca solitária por entendimento. Ela encontrou conforto no silêncio, nos livros e na música suave, preferindo um mundo mais introspectivo.
Sua reflexão se voltou para questões sobre medo, morte, Deus, religião e o universo. Durante muito tempo, Maria acreditou que seu retorno à vida estava ligado ao seu sentimento materno, até que começou a questionar o propósito de sua existência. A experiência da EQM permaneceu viva em sua memória, com todos os detalhes.
Novas Perspectivas
A EQM trouxe para Maria dois momentos cruciais. Primeiro, a busca por entender o fenômeno que contrastava com a base de sua educação religiosa familiar. O segundo momento foi sua entrada na ULE, onde passou a estudar novos conceitos e ideias a respeito da continuidade do Eu, após a morte do corpo físico. Maria acredita que o fenômeno da EQM ainda precisa ser mais estudado. Muitas questões permanecem sem respostas, e há muitas lacunas na compreensão das pessoas que vivenciam essas experiências. A alternância entre a vida no corpo físico e fora dele, de forma repentina, oferece uma riqueza de elementos a serem explorados.
Se você passou por alguma experiência como a de Maria, entre em contato e compartilhe-a conosco. Envie seu relato para o E-mail gpesquisaule@gmail.com
(*) Nome trocado para preservar a identidade da entrevistada