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Afinal, queremos nos salvar de quê?

Autora: Isabel Guimarães

Os mais belos e profundos relatos da passagem de Jesus pelo planeta vêm dos seus encontros e situações da vida cotidiana, reveladoras de sua inteireza, equilíbrio e profundo conhecimento dos limites, conflitos e contradições humanas, também das potencialidades do espírito. Sua proposta revolucionária é um convite a autoconsciência, auto-responsabilidade e co-criação de si mesmo.

Sempre que tratamos de um tema, é importante definir pressupostos que deixem claras as bases nas quais os conceitos e ideias estão assentados, de forma a levar os leitores à interpretação e construção de seus próprios conceitos e não apenas repetidores do que está escrito. Vamos, em primeiro lugar, conceituar salvação a partir de sua origem semântica, do seu significado no âmbito das religiões judaico-cristãs.

A salvação é um termo que genericamente se refere à libertação de um estado ou condição indesejável. (…) A palavra salvação tem sua origem no grego soteria, transmitindo a ideia de cura, redenção, remédio e resgate; no latim salvare, que significa `salvar´, e também de `salus´, que significa ajuda ou saúde.

Na interpretação Bíblica, salvação se refere principalmente à libertação do pecado e todas as suas consequências. O conceito de salvação espiritual faz referência à salvação da alma e sua libertação de uma ameaça eterna que a esperaria depois da morte. Então, Jesus teria vindo à Terra para nos salvar da condição de pecadores, sendo a morte o castigo do pecador e a vida eterna a recompensa dos bons. Na esteira da definição de salvação é preciso definir também o pecado; pecar seria desobedecer às Leis divinas.

A ideia de um Jesus salvacionista está fortemente impregnada em nossa cultura religiosa e reverbera não apenas no ambiente religioso, mas na ambiência humana de forma geral nos parece que os seres humanos estão sempre à espera de um salvador que resolva todos os seus problemas e os coloquem em uma condição de inteira libertação do que os aflige.

Jesus salvacionista, na perspectiva da ortodoxia religiosa, cria uma massa de seres humanos infantilizados, crianças à espera de quem lhes resolvam os problemas que são criados por elas mesmas. Vive-se a ilusão de livrar-se da responsabilidade para com a própria existência. Colocar-se na condição de ser salvo por alguém nos retira a responsabilidade pelo nosso processo evolutivo, entretanto o convite do Jesus foi para sermos agentes ativos deste processo.

“O Reino dos céus assemelha-se a um tesouro escondido no campo. Certo homem, tendo-o encontrado, escondeu-o novamente. Então, transbordando de alegria, vai, vende tudo o que tem, e compra aquele terreno”. (Mateus 13:44)

“Nem dirão: Ei-lo aqui, ou: Ei-lo ali; porque eis que o reino de Deus está entre vós”. (Lucas 17:21)

Há um tesouro a ser descoberto, o tesouro não foi dado, mas conquistado, ele é a consciência da nossa condição de espírito imortal. Por isso o homem vende tudo que tem e compra aquele terreno, no qual irá edificar sua existência, a descoberta não é um fim em si mesmo, é início de uma nova vida, na qual alegria trasborda e o espírito abandona a crença de um Deus lá fora para se vincular a um Deus aqui dentro.

Talvez o tema do pecado e da salvação sejam uma das maiores divergências conceituais entre o Espiritismo e as demais religiões cristãs, pois a tese desenvolvida pelos Espíritos Reveladores, respondendo à Allan Kardec – O Codificador da Doutrina -, na questão 1.012 de “O Livro dos Espíritos“ é que “Céu e Inferno são estados de consciência”. De acordo com essa tese, a tarefa é de apropriação do mundo interior, estar autoconsciente das infinitas possibilidades do espírito imortal, das forças e limitações, assumindo a auto-responsabilidade da tarefa de evoluir, isso seria, se assim quisermos definir, a salvação.

“Eu sou a porta; se alguém entrar por mim, salvar-se-á…” (João 10:9)

Desta forma podemos ter Jesus como salvador? Ele nos responde em muitas oportunidades relatadas nos Evangelhos, mas talvez essa passagem de João seja uma das mais ilustrativas. Como entender essa afirmação? Que tudo o que ele ensinou é o caminho de salvação, pois uma porta é uma passagem de um lugar para o outro e revela a ideia de movimento de quem quer por ela seguir. Jesus salva quando atendemos o seu convite de sermos co-criadores de nós mesmos. Algum lugar em nós sabe de nossas verdadeiras necessidades, intuímos nossa imortalidade, mas lutamos e criamos substitutivos na tentativa e evitar a morte do ego, sem a qual a transcendência não acontece. O chamado para esse potencial latente se constitui no legado de Jesus que fez de sua vida um exemplo de como caminhar de forma alcançá-lo. “Eu sou o caminho, a verdade e a Vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”. (João 14:6)

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