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Ciência e Espiritualidade

O Paradigma biopsicoespiritual na Medicina e a consciência da imortalidade

Autor: Fernando Santos

Com o racionalismo, a ciência se ergue com dados significativos quanto à evolução das espécies trazida pelo Darwinismo no século XVIII, e com a Teoria do Big Bang, se sobrepondo à ordem religiosa. A ideia do mundo criado por Deus em sete dias vem abaixo e o ateísmo assume um espaço significativo, onde a crença religiosa e o misticismo perdem espaço frente ao método científico. Nesse contexto, a temática da existência do Espírito e a imortalidade ficam subjugados pelo dito olhar científico; a unidade corpo e alma é reduzida a apenas corpo. Pautando-se então no corpo, a ideia da extensão da vida à imortalidade surge como empenho por prolongar a vida do corpo físico e torna-se objeto de busca pela ciência.

A imortalidade é um fascínio para o ser humano desde a antiguidade, a hipótese de viver para sempre, prolongar a vida indefinidamente. Os egípcios através da mumificação dos mortos, e outros povos da antiguidade, acreditavam na possibilidade da pessoa morta retornar à vida, e assim a preservação dos órgão possibilitaria serem restituídos à pessoa. O mito de Titono retrata este fascínio humano, onde Aurora pede a Zeus a dádiva da imortalidade para Titono, e assim foi feito. Contudo, ela esqueceu-se de pedir junto com a imortalidade o não envelhecer. Assim, Titono foi envelhecendo, envelhecendo e se deformando até virar uma cigarra. A dádiva constituiu-se no seu castigo por almejar o que era permitido apenas aos deuses: a imortalidade.

Os avanços da ciência e da tecnologia têm levado a um aumento progressivo e significativo da sobrevida humana, com a descoberta das bactérias como elemento patológico, das vacinas, a pasteurização dos alimentos, as medidas de saneamento básico, a descoberta da penicilina por Alexander Fleming, a evolução dos métodos diagnósticos laboratoriais e de imagem, a exemplo do raio X e os demais métodos que o sucederam, a possibilitar diagnósticos mais precoces e precisos das doenças e a abordagem terapêutica mais imediata e adequada. A ciência avança nos estudos descobrindo o DNA, chegando à clonagem de animais, e mapeando o genoma humano, abrindo-se perspectivas fantásticas de prolongamento da vida. Mas, vários estudos descrevem que, mesmo eliminando as doenças, a duração da vida no corpo humano seria em torno dos 120 anos, em virtude do envelhecimento e desgaste dos órgãos e sistemas.

Levando em conta a extensão da vida enquanto duração da estrutura orgânica, várias questões surgem ao observarmos o tempo de vida. Por que alguns animais têm apenas dias de vida enquanto outros, décadas? O que faz com que uns vivam mais e outros vivam menos? Atentos para o que ocorre com os animais, os cientistas descobriram que a imortalidade é um fato presente na natureza. A água viva Turritopsis dohrnii é um animal que não morre espontaneamente, a vida dela só cessa se for ferida gravemente. O Sebates aleutianus, um peixe do Pacífico conhecido como rockfish, e duas espécies de tartaruga da América do Norte, a Emydoidea blandingii e a Chrysemys picta têm um envelhecimento desprezível. Então, se é possível para animais, deverá ser possível para os seres humanos. Neste sentido, estudos buscando bloquear ou retardar o envelhecimento vêm sendo desenvolvidos com a perspectiva de prolongar de fato a vida humana com a imortalidade do corpo físico.

No transcorrer da história, discussões fervorosas nos meandros da filosofia têm se desenrolado desde a antiguidade com Aristóteles e Platão, perpassando por outros filósofos contra e a favor da existência da alma. Em 1847 é publicado O Livro dos Espíritos, trazendo à tona a questão milenar da vida após a morte, ou seja da manutenção da individualidade após a morte do corpo físico. Trazido por Hipolite Leon Denizard Rival (1804-1889), conhecido como Allan Kardec, um pseudônimo por ele adotado em uma encarnação anterior quando era Druida, o livro revoluciona o mundo à sua época, pois, surgindo do positivismo, constitui a ideia de Deus como causa primeira de todas as coisas e não um ente a brincar de conceder favores a quem O adora. O Espiritismo desbanca a ideia salvacionista, trazendo de volta o homem ao centro de seu processo evolutivo, pois a partir da concepção da existência do Espírito e sua imortalidade, nos colocamos como herdeiros de nós mesmos, adquirindo a cada reencarnação, habilidades que nos capacitam a ser mais conscientes na atuação para conosco e para com a sociedade em que vivemos. Desponta não só a questão da imortalidade, mas a necessidade de um sentido para a vida, um “para quê” dando impulsão à visão positivista e evolucionista, “nascer, crescer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei”.

Os estudos do Dr. Sigmund Freud descrevendo a existência do inconsciente trazem uma possibilidade de explicação para muitos eventos ditos de ordem espiritual, e nasce da medicina a psicologia objetivando desvendar e entender os mistérios da mente. Coloca a mente então como estrutura psíquica composta pelo cérebro e passa a derivar explicações para vários fenômenos, classificando muitos deles como parapsicológicos. Com base na mente circunscrita, a estrutura orgânica do cérebro, e vendo-a como um conglomerado de dados, os avanços da ciência da computação e da robótica aspiram a possibilidade de fazer um upload da mente humana e transferir a consciência para corpos robóticos, corpos biológicos neoformados (clonagem), ou corpos híbridos (parte biológicos, parte robóticos), dando assim uma possibilidade infinita à vida do indivíduo. Visões futurísticas que reduzem o ser a um amontoado de dados.

Surge então a hipótese da consciência humana poder ser transferida como um quantum de dados e informações. Essa hipótese nos chama a atenção quanto a um olhar reducionista para o legado de Freud e seus sucessores sobre o inconsciente, pois entendendo que é o inconsciente que está a influenciar a consciência, e que vai modificando-a, e se modificando no transcorrer das experiências vivenciadas, a partir daí, a transferência seria do psiquismo como um todo, com todas as suas congruências e incongruências, sua imprevisibilidade. A ciência e a tecnologia, que têm avançado significativamente, tornam possível a utilização de dispositivos artificiais que permitem recuperar a função orgânica e expandir a capacidade do corpo humano. Este contexto traz a condição do trans-humano, um estágio evolutivo inegável por onde temos ainda muito a avançar, conecta-se a hipótese do corpo poder ser substituído, mantendo a mente. Assim o que vemos ser cogitado, garantindo a manutenção do indivíduo como era, é a partir de dados fazer com que um novo corpo (biológico, robótico ou híbrido) se comportasse como o indivíduo anterior, contudo, jamais será ele. O ser humano é uma possibilidade ainda não cumprida, reiterando a mutabilidade que lhe permitiu adaptar-se no decorrer dos milênios aos mais diversos ambientes e assim evoluir sempre.

O Dr. Carl Gustav Jung participou de observações de fenômenos descritos como espirituais e concluiu que, de fato, havia fenômenos que não eram passíveis de explicação pela ciência, não podendo afirmar que não seriam eventos espirituais. Mais recentemente, o Dr. Yan Stevenson, professor de psiquiatria da Universidade de Virginia, um dos mais importantes pesquisadores na temática das experiências espirituais, publicou um extenso trabalho sobre marcas de nascença e sua correlação com a reencarnação, assim como de pessoas que relembraram sua encarnação anterior, na sua grande maioria crianças, e que, investigados, os relatos dessas crianças eram condizentes com a existência daquela pessoa a quem elas se referiam como sua vida anterior. Os dados mais consistentes estão descritos na obra “Vinte casos de reencarnação”, nos dando informações quanto à realidade da imortalidade da alma.

A imortalidade é uma das qualidades do ser humano e, nos moldes como descrita no Espiritismo, enquanto permanência da individualidade do ser e sua reinserção na vida corpórea com uma névoa de esquecimento de fatos específicos das vidas anteriores, mas trazendo em si tendências, leva o indivíduo a experienciar novas situações e se superar adquirindo novas habilidades, assim como, atualizando outras, a cada processo reencarnatório. A realidade da imortalidade da alma necessita ser estudada para além do viés religioso, se desamarrando de questões morais, pois, enquanto fato, é um processo assim como outros presentes na vida, que nos possibilita evoluir sempre. Analisar o fato da imortalidade da alma a partir do cunho científico poderá nos ajudar a avançar significativamente nos campos da psicologia, onde o repertório de experiências a influenciar o indivíduo não decorre apenas de uma encarnação, mas de múltiplas encarnações, determinando condutas e comportamentos que desde que melhor compreendidos se torne possível auxiliar o indivíduo na constituição do equilíbrio psíquico. Como exemplo, temos mesmo ainda dentro do viés religioso múltiplos relatos de unidades de tratamento psiquiátricos inserindo a abordagem de auxílio espiritual ao indivíduo e trazendo resultados positivos.

O desafio para a ciência é olhar para a imortalidade da alma como fato e analisar esta hipótese acima do desejo do “personagem atual” de se perpetuar, mantendo-se na estruturação que está. A hipótese da reencarnação traz benefícios significativos ao ser humano, possibilitando que ele descristalize condutas, pensamentos e emoções condicionadas na trajetória de uma encarnação. A ciência deveria estudar os ganhos significativos do humano a partir do evento de viver intercalando experiência de aprendizado quando encarnado e desencarnado. Os múltiplos desafios, o impulsionando a se reinventar, como vemos nos choques de gerações, trazendo ao jovem um olhar renovador estimulando a estrutura humana a ir além.

A busca da longevidade associada à manutenção da qualidade de vida, nos leva ao paradigma de dar mais vida aos anos e com isso dar mais anos à vida. Vários estudos têm demonstrado que a utilização de alimentação saudável, prática adequada de exercícios físicos, eliminação do stress e melhor sociabilidade prolongam a vida, dando-lhe mais qualidade. Lógico que isso não é imortalidade, mas fica claro que isso nos traz o contexto de tomada de consciência do indivíduo quanto à sua responsabilidade para consigo e para o ambiente em que vive, como elemento de melhoria do viver. A premissa de dar mais anos à vida dando mais vida aos anos corrobora este pensar, pois estende a experiência no corpo, mas chamando para si o compromisso e a responsabilidade para com a vida, desde os cuidados para com o corpo físico, ao cuidado para com as demais dimensões da vida, se vendo como cidadão do mundo e não apenas de “um lugar”, de uma encarnação, objetivando a partir daí a contínua melhoria das condições de vida no planeta, sede primeira de suas experiências reencarnatórias. Essa é a condição do Espírito, o livre-arbítrio de escrever sua história, superando limitações, a partir da transgressão das normas vigentes para a reformulação de normas mais atualizadas condizentes com a humanidade em sociedade que evolui sempre.

3 comentários on “O Paradigma biopsicoespiritual na Medicina e a consciência da imortalidade

  1. Excelente texto, provocativo que leva a reflexão e busca de tomada de decisões frente ao avanço da humanidade no âmbito físico, psíquico, espiritual e social. Que outros textos possam vir provocando o despertar do conhecimento e prática frente a vida e a se mesmo.

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